. . A pandemia, a bolsa e nossas carteiras

Carta do Gestor 

Como mencionamos na carta de março/20, esse ano começou agitado, com conflitos geopolíticos (Estados Unidos x Irã) e pelo coronavírus (Covid-19), que começou na China, mas já se espalhou pelo mundo, levando muitas pessoas a morte.

E isso impactou negativamente a economia chinesa e, por consequência, influenciou (e influenciará) o desempenho das outras nações em momento que já era de desaceleração da economia mundial.

Contudo, vale destacar que nos outros momentos de epidemia, como a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars, na sigla em inglês) de 2002 e a gripe suína (H1N1) de 2009, os efeitos foram passageiros, se dissipando rapidamente na economia. O que parece não ser o caso do coronavírus, pois o contágio tem sido rápido, levando o sistema de saúde dos países afetados a enfrentar grandes dificuldades, não importando o grau de desenvolvimento.

Muitas nações adotaram o isolamento social para reduzir a velocidade do contágio, buscando não colapsar o sistema de saúde. Acreditamos que tal isolamento é correto, pois o coronavírus não é uma “gripezinha” e, assim, tem trazido, e trará, dificuldades para a atividade econômica global e nacional.

Muitas empresas foram fechadas, ficando sem faturamento e correndo o risco de precisar diminuir a sua força de trabalho. Ademais, os trabalhadores informais, prestadores de serviços, por exemplo, também ficam sem remuneração no período, levando a uma queda expressiva da renda e do consumo das famílias.

Desse modo, as perspectivas de crescimento para a economia internacional e brasileira para 2020 estão sendo continuamente revisadas para baixo, já sendo esperada recessão em muitos países.

O último relatório Focus do Banco Central do Brasil (BCB), divulgado no dia 30 de março, mostra que o mercado estima recessão no Brasil em 2020. As instituições consultadas pelo BCB projetam queda de 0,48% do PIB em 2020 (ver tabela 1) e alta de 2,50% em 2021. Todavia, muitas instituições têm revisado os dados projetados para baixo, já prevendo recuo de mais de 3% do PIB brasileiro nesse ano.


A inflação projetada, vista pelo IPCA, está em 2,94% para 2020 de acordo com o Focus. Em dezembro/19, o número esperado era de 3,6%. Na mesma linha, a taxa Selic passou de 4,5% projetado no fim do ano passado para 3,5% no fim de 2020, podendo cair mais, dado que o BCB já reduziu a taxa duas vezes esse ano, levando de 4,5% para 3,75% ao ano. A primeira redução foi de 0,25 p.p. em fevereiro, dado o fraco crescimento e a inflação estimada dentro da meta do BCB.

Já na segunda, na reunião de março, com queda que de 0,5 p.p., também pesou a inflação abaixo da meta e a fraqueza ainda maior da economia brasileira. Por esse motivo, os agentes governamentais no mundo e no Brasil estão tomando medidas expressivas de política econômica, tanto fiscais quanto monetárias, algo que não será detalhado nesta carta do gestor. Em maio, falaremos sobre essas medidas de política econômica.

Nesse contexto de pandemia, a bolsa brasileira (B3) teve fortes oscilações nos preços das ações no primeiro trimestre (1T20), tendo a B3 que utilizar seis vezes o mecanismo de parada dos negócios no pregão, o chamado “circuit breaker”.

O Ibovespa, principal índice da B3, teve o pior trimestre da história do índice, caindo 36,86% em relação ao fechamento de 2019. O índice chegou a bater o recorde de fechamento de 119.528 pontos no último dia 23 de janeiro. Após isso, despencou fortemente, alcançando a cotação mínima de 63.570 pontos após dois meses do recorde, fazendo com que do pico ao vale do período, o Ibovespa tenha caído 46,8% (ver gráficos 1 e 2).

Fonte: IPEADATA

Quedas dessa magnitude, e na sequência em que ocorreram, não podem ser ignoradas e atribuídas somente à movimentos de manada. No atual momento, está difícil de estimarmos quanto tempo as pessoas passarão em isolamento. Se tentar estimar quanto tempo as pessoas ficarão em casa é difícil, prever a magnitude da crise na economia é uma tarefa ainda mais complicada.

Fonte: IPEADATA

Quando observamos o Ibovespa em dólar, verificamos que o recuo foi mais expressivo no 1T20 (-51,03%). Do pico (29.491 pontos) ao vale (12.514 pontos) em dólar, o índice recuou 57,6% (ver gráfico 8.3).  Isso porque o dólar subiu em relação ao real, levando a taxa de câmbio de R$/US$ 4,03 no fim de 2019 para R$/US$ 5,19 no fim de março.

Nessa conjuntura de volatilidade e maior aversão ao risco, houve no primeiro trimestre desse ano saída R$ 49,2 bilhões no mercado à vista da B3 até o último dia 26/03, valor recorde de retirada para um trimestre na bolsa brasileira, e superior ao valor de 2019 inteiro (R$ 44,5 bilhões), que havia sido recorde de saída para um ano na B3.

Fonte: IPEADATA

Nessa mesma linha, observa-se, na tabela 2, a seguir, as diferenças de desempenho no 1T20 entre os índices da B3, ainda que tenha havido queda generalizada no período. Os índices ligados aos setores imobiliário (IMOB), financeiro (IFNC) e consumo (ICON) foram os destaques de desvalorização. Dado que esses são mais relacionados com a economia doméstica e tendem a sofrer mais devido aos efeitos da pandemia no Brasil. Querendo ou não, irão refletir também a gestão pelo governo da crise social e econômica.

Por um lado, o Ministro da Saúde tem ido na direção correta ao seguir as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), objetivando, em primeiro lugar, salvar vidas, mas logicamente olhando para a economia.

Adicionalmente, o Ministério da Economia tem tomado medidas de políticas fiscais e monetárias de forma a dar suporte para as famílias que perdem emprego e renda e para as empresas que têm dificuldades no fluxo de caixa. Além disso, o BCB agiu para manter a liquidez no sistema financeiro, sendo essas medidas quase 11 vezes superiores às das adotadas na crise de 2008.

Por outro lado, há o presidente Jair Bolsonaro criando um clima de “guerra” política num momento de uma “guerra” contra o coronavírus. O argumento principal do presidente é que a estratégia deveria ser de um isolamento vertical, protegendo idosos e pessoas com outras doenças, e o restante das pessoas deveria continuar trabalhando para que economia brasileira. Mas estudos apontam que se a população sair do isolamento horizontal antes do sistema de saúde se fortalecer, com pessoas, equipamentos, logística etc, o número de mortes pode ser ainda maior, e a economia pode ter um desempenho ainda pior no médio e longo prazo.

Esse quadro doméstico explica uma parte do desempenho da tabela 8.2. A outra, vêm do quadro internacional.

No que se refere aos índices de bolsas internacionais, também viu-se forte recuo no primeiro trimestre (ver tabela 3). O índice Dow Jones dos EUA caiu 23,2% no 1T20, assim como o Dax da Alemanha (-25%) e o CAC-40 da França (-26,5%).

Impactaram nesse desempenho o receio e alguns números já apresentados em relação aos efeitos do coronavírus e seus reflexos no crescimento da economia mundial. Já vinha sendo esperada uma desaceleração na expansão econômica, que agora tende a ser uma recessão global.

Vale lembrar também que nesse contexto de tensão internacional nesse início de ano, houve o assassinato do general iraniano em 03 de janeiro, elevando a tensão entre Estados Unidos e Irã, o que na época que causou receio de uma guerra mais duradoura. Mas dado o cenário atual, essa situação ficou em segundo plano. Ademais, vale destacar a medida da Arábia Saudita de aumentar a produção de petróleo, influenciando na forte queda de preços, deixando o mercado ainda “mais nervoso”.

Nesse cenário turbulento, o que podemos afirmar sem receio é que o mundo não irá acabar. As pessoas voltarão a circular e a atividade econômica retomará.

A tabela abaixo, mostra alguns indicadores interessantes de empresas que fazem parte do GALT e/ou Geral Dividendos.

A tabela mostra a relação entre preço e lucro (P/L) das empresas até o final de 2019, o P/L médio dos últimos 5 anos e o atual (até 31/03/2020). Adicionalmente, colocamos as quedas dessas empresas entre a quarta-feira de cinzas (primeira queda mais brusca) e o dia 23 de março (mínima atingida até então). Além da variação entre a volta do Carnaval e o final de março.


Algumas observações:


• Direcional e Petrobras possuem P/L médio negativo por terem apresentado prejuízos no início das séries. Ambas, atualmente, têm apresentado lucros bons e consistentes.
• Com exceção das duas empresas, após as quedas, todas as empresas estão com P/L atual bem inferior ao P/L médio.
• Na comparação com o P/L verificado até o final de 2019, todas as empresas estão apresentando descontos muito expressivos, algumas na faixa de 50%.
Mas os lucros das empresas não irão cair?
Sim, com certeza. Ainda assim, essas quedas serão temporárias. Cada uma dessas empresas será impactada de maneira diferente. Em algumas o impacto virá da inadimplência dos clientes, noutras de um recuo na demanda, ainda assim, são efeitos temporários.
As quedas que vemos tanto na primeira janela (26/02 – 23/03), como na segunda (26/02 – 31/03), consideram que os lucros das empresas irão cair de 30% a 60% para sempre!

Como assim?


O valor de uma empresa é dado por todos os fluxos de caixa que uma empresa irá gerar de hoje até o infinito, trazidos a valor presente. Essa é uma simplificação, mas o funcionamento do cálculo é esse. De hoje ao infinito estamos falando de muito tempo, e cada ano que passa, naturalmente, vale menos nessa composição de valor. No entanto, o primeiro ano (ou seja, 2020) tem impacto de menos de 10% nesse valor total.


O que queremos dizer com isso?

Pensando juntos, vamos considerar que os resultados de 2020 virão zerados. Que em 2021 também seguirão em níveis absurdamente baixos (para deixar a coisa ainda mais dramática, o que não é o nosso cenário). Nessa situação catastrófica, podemos dizer que a queda “honesta”, dessas ações, poderia ser na casa dos 20%. Alguns fatores podem impactar esse número para cima ou para baixo, mas a ideia simplificada é essa. Voltando à tabela anterior, podemos ver que todas as empresas caíram muito mais que isso.


Essas empresas estão baratas? Sim. Elas não vão cair mais? Não temos como saber. No entanto, boas empresas negociadas a bons preços, são bons investimentos. E é isso que procuramos sempre para os nossos fundos e carteiras administradas.

Resumindo, no que se refere ao futuro, vimos, de um lado, que as incertezas por conta de importantes acontecimentos globais aumentaram substancialmente.

Esses fatos tendem a levar a economia mundial a uma recessão, em um momento que era de estabilização do crescimento. Ou seja, a crise devido ao coronavírus acontece em um instante em que a economia estava mais fragilizada. Por isso, os governos na maioria dos países têm utilizado “arsenal pesado” de políticas econômicas para combater os efeitos do coronavírus na saúde e na economia.

Assim, observamos que os impactos da crise nas ações da bolsa foram negativos. Parte das quedas verificadas são justificadas, mas boa parte do que aconteceu tem pitadas de desespero e movimento de manada. Com o tempo a racionalidade volta, e as coisas vão se ajustando. Da nossa parte, seguimos trabalhando forte e buscando ótimas oportunidades para os nossos clientes.

 




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